Coletânea de Mitos Africanos – Segunda Parte

por DiomedesRJ

Siga a sua Vocação

Nos Primeiros Tempos, Ogum, o Deus da Guerra e do Ferro, vivia dividido entre seu dever de proteger os povos, e manter seu sustento. Ele tinha um irmão, mas ele era jovem e temeroso demais para ocupar quaisquer dessas funções.

Ao retornar de uma campanha movimentada, O Senhor do Ferro encontrou a aldeia onde vivia arrasada. Os inimigos tinham se aproveitado de sua ausência, e lhe atacado o próprio lar. Ao chegar no centro da aldeia, encontrou seu caçula acuado no meio de muitos inimigos, brandindo desengonçado, uma de suas pesadas espadas.

Ogum estava cansado, mas ao ver sua aldeia devastada, e seu irmão ameaçado, a ira lhe renovou as forças, e ele lutou até destruir todos os atacantes.

Depois do combate, Ogum conversou com seu caçula, sobre a necessidade dele aprender a se defender, e de sustentar ao seu povo, pois não poderia estar presente sempre que necessário, pois seu ofício, a Guerra e a Forja, lhe tomavam muito tempo. Mas o irmão estava desanimado. Não tinha a força suficiente para usar uma espada pesada, ou a firmeza de encarar um adversário nos olhos, como Ogum tinha – jamais poderia ser como ele. Ainda sim, concordou em aprender com seu irmão mais velho.

Saindo com Ogum para a floresta, o jovem, aos poucos, viu que tinha razão. Jamais poderia ser como seu irmão mais velho. Mas poderia ser ele mesmo.

Ele não tinha a força de seu irmão, mas suas mãos eram precisas e firmes. Ele não tinha a firmeza de seu irmão, mas podia enxergar muito bem, à distância. Ele não tinha a coragem de seu irmão, mas era muito determinado, e podia seguir as pegadas de uma presa, até descobrir seu esconderijo.

Foi então, que o jovem pediu a seu irmão, para lhe ensinar a usar uma arma que Ogum conhecia bem – como o Senhor da Guerra, todas as armas lhe eram conhecidas – mas de que não gostava muito: um arco. Ela exigia dele apenas, as qualidades que tinha: mãos firmes, boa visão, e determinação para perseguir o objetivo.

Em pouco tempo, Ogum viu que seu jovem irmão, Odé (também chamado de Oxossi), tinha encontrado seu lugar no mundo. Não existia presa que pudesse escapar de sua busca, e seus tiros certeiros abatiam a caça, com um tiro só.

Orgulhoso, Ogum então, tornou Odé responsável pela Caça, pelo sustento dos homens, o Grande Provedor, e ainda sim, capaz de se defender num conflito, desde que mantida sua frieza e concentração. E pode retornar para as batalhas e para a metalurgia, sabendo que todos estariam alimentados e protegidos em sua ausência.

Odé aprendeu que, quando conhecemos a nós mesmos, não precisamos seguir os passos de outros, somos perfeitamente capazes de encontrar nosso próprio caminho.

 

Todos tem o seu Valor

Um dia, o Deus Supremo decidiu distribuir suas dádivas e funções entre as outras divindades, para que todos pudessem ter seu papel a ocupar. Todos, sem grande alvoroço, escolheram suas ocupações.

Mas Omolu, o filho adotivo da Deusa do Mar, não pode estar presente nesse dia, vindo até o Deus Supremo, apenas no dia seguinte. O Todo-Poderoso disse a ele, que apenas uma coisa havia sido deixada, pois ninguém a queria: as doenças.

Tendo ficado então, com aquilo que todos recusaram, Omolu se afastou de todos, procurando eventualmente, apenas a presença de Orumilá, para saber como o Destino, poderia lhe orientar a usar bem seus dons.

Muito tempo depois, os Deuses notaram um grande sofrimento, vindo da Humanidade. Uma grande moléstia havia se espalhado, e estava ceifando a vida de milhares. E seus poderes eram inúteis para fazer cessar tal mal.

Após refletir um tanto, todos entenderam seu erro. Eles desprezaram a Doença, mas esqueceram que apenas quem controla a Doença, possui consigo, a Cura.

Apenas depois de muito tempo, os Deuses descobriram onde Omolu se encontrava, e após lhe pedir perdão, e lhe fazer ofertas, o Senhor da Pestilência fez a moléstia desaparecer e terminou com o sofrimento de todos.

O Panteão Africano inteiro, aprendeu duas lições duras. A primeira, que todo ofício tem seu valor sobre o mundo, não importa o quão degradante e desprezível pareça. E a segunda, mais dura ainda, é que você pode ter tudo, mas sem saúde, não possui nada.

 

A Inventividade é Essencial

Um dia, numa de suas reuniões, uma na qual Oxalá, o Pai-de-Todos, não estava presente, os Deuses conversaram entre si, para definir quem deles era o mais essencial para a Humanidade. E sempre esbarravam na mesma questão.

Tudo o que existia pelo mundo, não podia ser feito sem ferramentas, e todas foram feitas por Ogum, Senhor da Guerra e da Forja. Seus metais, e principalmente o Ferro, foram a base da constituição de toda a Civilização, pelo que tinham compreendido.

Quando todos pareciam concordar com o veredito, uma voz calma, mas firme disse: Eu discordo.

Era Nanã, Deusa das águas paradas e da lama, a mais velha das Deusas do Panteão.

Os Deuses se surpreenderam com a discordância da Anciã, mas ela se mantinha divergindo firmemente de todos os argumentos dos outros, sem contudo dar maiores explicações. Até que sugeriram uma prova, para decidir a questão.

Trouxeram até a reunião, um dos animais separados para o abate e o sacrifício. Questionaram então a Nanã, como ela poderia matar o animal, sem o uso de nenhuma ferramenta de metal.

Ela calmamente caminhou até o animal, segurou sua cabeça… e lhe torceu o pescoço, matando-o.

Como a Anciã dos Deuses, ela já estava na Terra, antes das ferramentas serem criadas, fato que todos haviam esquecido. Como ela demonstrou que aquilo que era essencial para a Humanidade, pertencia a todos, a disputa foi esquecida e ignorada, a partir daí.

São os mais experientes, que nos recordam sobre o fato da tecnologia, só existir por conta da criatividade, nosso desejo de superar as limitações. A forma, a ferramenta que usamos para superá-las, é mero detalhe.

CONTINUA NO PRÓXIMO ARTIGO

oxossi

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