Coletânea de Mitos Africanos – Final

por DiomedesRJ

Não te Esqueças da Mão que te foi Estendida

Oxê Bara era um homem muito pobre. E acreditava que o Destino havia lhe virado as costas. Mas havia ainda a quem ele poderia apelar.

Procurando um rio de bela natureza, ele endereçou suas súplicas a Oxum, Deusa da Beleza, Fertilidade e Prosperidade, pois as Águas Doces, eram a sua morada. Ela ouviu os lamentos do homem, e se apresentou a ele, em toda a sua graça e beleza.

Oxê Bara lhe falou de sua pobreza, e de como apelava a ela, para deixar sua miséria. Oxum, compadecida da situação dele, lhe entregou uma pedra, simples, vinda do fundo do rio, e disse a Oxê Bara, que enquanto a pedra fosse por ele cuidada, que sua vida seria próspera.

O homem colocou a pedra em lugar de destaque da casa, confiante que a Deusa cumpriria sua promessa. Ao longo dos dias, seus negócios começaram a mudar de direção, e em mais algum tempo, sua casa era boa e bem decorada. Conforme sua vida melhorava, Oxê Bara ia mudando a pedra de posição, mas sempre a mantendo em destaque, limpa e cuidada.

Um dia, o homem olhou sua casa, e ela estava rica e totalmente transformada. Viu a pedra que a Deusa lhe deu, e ela destoava da suntuosidade de tudo o que possuía. Não queria mais, algo que não combinasse com seu estilo de vida, e a jogou fora.

Em pouco tempo, o revés se estabeleceu em sua vida, os prejuízos se acumularam, e toda a sua riqueza se foi, devolvido estando a miséria em que vivia antes.

Oxê Bara retornou ao mesmo rio, e voltou a invocar Oxum. A Deusa se revelou a ele, em seu esplendor, mas com uma expressão de desagrado.

“Você reclama de seu destino, homem? Onde está a pedra simples que eu te dei? Onde está a lembrança de que um dia, não teve nada, e não deveria esquecer de onde veio? Onde está a demonstração perpétua da gratidão pela oportunidade que EU te dei?”

“Você a jogou fora, esquecendo que a gratidão e a humildade devem permear o coração de todo aquele que tem Fé. E como tu viraste as costas para mim, eu também lhe abandono. Por mim, morrerás pobre e sozinho. Que Olodumaré, o Todo-Poderoso, tenha piedade de ti.”

Se o homem morreu de fato na penúria, ou se ele conseguiu se reerguer, não se sabe. Mas ele aprendeu da forma mais difícil, que o orgulho e a ingratidão sempre se voltam contra quem, impensadamente, lhes deu ouvidos.

 

Fé sem Amor é Vazia

A Rainha das Águas achava que teria um dia comum. Mas não poderia estar mais enganada.

Iemanjá, Deusa do Mar, e mãe da maioria dos outros Deuses, seguia em sua casa, com sua natural serenidade. Estava entretida em matar um carneiro, para suas necessidades, quando Bara, o Mensageiro dos Deuses, apareceu em sua morada.

Com um tom mais grave, incomum em sua postura, ele veio avisá-la que Olodumaré, o Todo-Poderoso, estava convocando os Deuses, e que deveriam partir imediatamente.

Assim que Bara partiu, ela pensou que o Deus Supremo merecia uma oferta, mas o que ela teria para oferecer a Ele, sendo que nada tinha que fosse de especial, e não teria tempo para preparar nada?

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Os Deuses enfim estavam diante de Olodumaré, mas apenas uma, Iemanjá, chegou até diante Dele, e lhe depositou a cabeça do carneiro que tinha acabado de abater. O Todo-Poderoso, então, falou.

“Todos vocês vieram rapidamente ao meu encontro. Mas apenas uma dentre vocês, não só demonstrou sua obediência, mas seu Amor por mim, não importando se é de forma humilde ou rústica.”

“Oxalufan pode ser o Pai-de-Todos, por ser o Criador da Humanidade, mas por seu gesto, Iemanjá, eu a torno a Mãe-de-Todos, a quem os Homens também deverão respeito, para que jamais se esqueçam que não só a Razão, mas também o Sentimento, devem estar juntos no caminho até mim.”

E foi assim que a Grande Mãe recebeu, sem alarde e disputa, o lugar de destaque que possui no Panteão, por saber obedecer, e igualmente, saber amar.

 

Aperfeiçoe-se Sempre

Oxaguian, Deus da Constante Criação, filho de Oxalufan, Pai-de-Todos, nunca perdia uma oportunidade de estimular o Progresso.

Em uma de suas constantes viagens, ele se deparou com uma grande, embora simples, construção, numa aldeia. Questionando aos trabalhadores, do que se tratava, foi respondido que era um castelo erguido em homenagem a Ogum, Deus da Guerra. E perguntando o que iriam fazer, agora que tinham terminado, o povo respondeu que descansaria e comemoraria.

“Seu Rei demorará a voltar. Ergam uma morada melhor, para seu Senhor, e meu Amigo.”

Dizendo isso, tocou com sua Espada (pois ele também é um Guerreiro) um dos muros, e o Castelo desmoronou por inteiro.

O povo olhou espantado para o gesto do Deus. Mas arregaçou as mangas, e começou a construção novamente, enquanto Oxaguian partia.

Tempos depois, o Deus retornou para a aldeia dos Construtores, e viu o novo Castelo. Era maior, e um pouco mais elaborado.

Oxaguian questionou ao povo, e como recebeu as mesmas respostas, destruiu a obra, dizendo a eles que fizessem uma ainda melhor.

O Guerreiro de Branco retornou muitas vezes, até que enfim, chegou até a aldeia, e ela estava totalmente transformada. As reconstruções fizeram com que o povo melhorasse suas técnicas, que passaram a ser usadas também nas residências comuns, e, mais importante ainda, não parassem mais de aprimorá-las.

Oxaguian estava satisfeito. Tinha ensinado para aquela aldeia, que a ociosidade é incompatível com a excelência.

 

O Mérito é que Valida o Poder

O Pai-de-Todos tinha uma perturbação em meio aos Deuses, que não podia permitir que continuasse.

Chegou ao conhecimento de Oxalufan, Deus Criador da Humanidade, e o mais velho do Panteão, que Bara, o Mensageiro, estava alegando que era o Mais Antigo. E diante do Pai-de-Todos, foi chamado a se explicar.

Bara manteve jocosamente a sua declaração, mesmo com o Pai-de-Todos lembrando aos presentes, que isso era um absurdo, posto que ele já existia, quando Bara foi criado.

A persistência de Bara, foi tanta, que os outros presentes, sugeriram uma solução simples para a questão. O Mais Antigo, sem sombra de dúvida, teria mais poderes que o mais jovem. Que se enfrentassem, então, e o mais poderoso, seria aclamado como mais velho. Ambos concordaram.

Os dois procuraram Ifá, e o Oráculo os instruiu a fazer oferendas. O Pai-de-Todos seguiu a tradição, mas Bara desdenhou do Destino, e não seguiu o aconselhado.

O dia chegara, e Oxalufan e Bara, estavam um diante do outro. O Pai-de-Todos começou a demonstrar seu poder.

Mesmo com seu corpo idoso e curvado, Oxalufan deu uma palmada em Bara e BUM, o Mensageiro caiu sentado e ferido, como se golpeado com grande força. Bara porém, se levantou como se nada tivesse acontecido.

O Pai-de-Todos, então, bateu na cabeça do Mensageiro, e ele encolheu até se tornar um Anão. Bara porém, se sacudiu, e voltou ao seu tamanho normal.

Oxalufan, então, segurou a cabeça de Bara, e a sacudiu. A cabeça do Mensageiro aumentou, aumentou, até se tornar maior que o próprio corpo! O Mensageiro porém, esfregou a cabeça com as mãos, e ela voltou ao normal.

Os outros Deuses então, disseram que era a vez de Bara.

O Mensageiro bateu na própria cabeça, e dela, surgiu uma pequena cabaça. Ao abri-la e virá-la na direção do Pai-de-Todos, uma nuvem de fumaça se dirigiu a ele, e Oxalufan perdeu totalmente sua cor.

O Pai-de-Todos esfregou seu corpo com as mãos, mas sua cor não retornava. Mas ele ainda não estava vencido.

O Ancião tirou seu turbante, o desfazendo, extraindo dele seu axé (poder), e tocou sua boca no pano.

Ele então, falou a Bara, para se aproximar, e entregar sua cabaça mágica. O Mensageiro, imediatamente e sem questionar, entregou sua cabaça para Oxalufan, e ao colocá-la em sua própria bolsa, retomou sua cor.

Sem ter mais nenhum poder para demonstrar, Bara foi derrotado.

Lentamente, o Pai-de-Todos retornou ao seu assento, enquanto era aclamado e louvado pelos outros Deuses. Ele poderia, desse o início, ter invocado sua Autoridade, e ter encerrado a questão. Mas ele demonstrou a todos, em sua sabedoria, que aquele que possui méritos, não teme provar porque tem, aquilo que conquistou.

oxa

1 comentário

  1. Parabéns, muito bom.

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