Confrades, como anunciei, o combate contra a Hidra de Lerna era muito significativo e merecia análise separada para facilitar sua perfeita compreensão. Aqui a colocarei a todos, sendo que desta vez, farei menos mistério do que no texto sobre o Leão de Neméia.
Vencer a Hidra de Lerna, para o Aspirante a Guerreiro, para aquele que busca possuir a Verdadeira Masculinidade, é superar a força que é mais discutida na Real… este mito fala da SUPERAÇÃO DO APEGO.
A força vital que alimenta a Hidra é emocional. Temos uma seca, temos uma súplica aos Deuses pela sua superação, temos uma doação, temos uma súplica de outras pessoas, uma negação, e daí a bênção se torna maldição. Podemos falar a respeito de muitas formas, mas no centro de qualquer exemplo está uma dádiva divina de conforto e provimento que é recebida, mas que ao invés de repartida, é guardada egoisticamente. Devemos saber quando, como e a quem fazer o ato de doação, seja por um ato de caridade, seja por um elogio a uma ação acertada, mas quando recusamos a doação justa de nosso recurso, poluímos a fonte e geramos o monstro do apego dentro de nós.
Para que o apego seja derrotado, o roteiro do mito, com todas as suas advertências, é claro:
1) A ajuda de Iolau: Para que o apego seja derrotado, é preciso que ele seja encarado por um ângulo de visão que seja exterior a nós mesmos, e esta visão tem que ser aceita. Desta forma, este é um trabalho que não pode ser realizado sozinho – a não ser por almas com uma excepcional auto-análise – precisamos dos outros para sermos vitoriosos.
“Metemos a Real” para dar esta visão de REALidade a nossos Confrades e o ato de “meter a Real em nós mesmos” é tentar exercer alguma medida desta auto-análise (mesmo que nem todos possam conseguir superar seu apego apenas com ela). Hércules não tinha mais um Ego a lhe dizer que ele não precisava de ninguém (ele já tinha sido vencido no Trabalho anterior), mas precisou reconhecer que seu sobrinho poderia ser de ajuda em seu Trabalho. Por isto, aqui somos rudes, para testar a renúncia ao próprio Ego e a humildade de cada um de vocês.
2) Névoas e areia movediça: A superação que se busca neste mito exige uma vivência consciente de suas experiências e sentimentos. O apego frequentemente nos leva a ambientes e convivências cada vez mais venenosas e insalubres, e ao vivenciar de forma consciente estes lugares, é importante não compartilhar do mesmo ambiente, mesmo estando dentro deles; da mesma forma; na medida em que passamos a entender mais sobre a origem de nossos apegos, somos frequentemente arrastados a perder nosso raciocínio e retornarmos a vivência inconsciente e selvagem… ao perceber que estamos nos “replugando” a nossos antigos apelos, parar, e buscar outra forma de abordá-los é necessário para que a empreitada não fracasse.
NOTA DO DIOMEDES: A vivência também pode ser feita de forma indireta por meio de análise crítica poderosa do próprio passado (se isto não fosse possível, nenhum homem de vida monástica e religiosa seria desapegado), mas acredito que este não seja um caminho viável para a maioria de nós.
3) Esconderijos e primeiras compreensões: Muito bem, Guerreiro, você chegou até o centro do pântano, e entendeu que é o apego o que está gerando seu sofrimento! Mas e agora? Estar consciente não é o bastante, é apenas um paliativo… cedo ou tarde, sua vontade fraquejará e você voltará a ser o apegadinho apaixonado de antes. Você já fortaleceu seu íntimo, agora é hora da luta de verdade. Uma luta íntima e interior, mas que pode e deve ser vencida por todos nós.
Na primeira vez que você tentar recusar algo que lhe deixava apegando usando sua lógica para recusar e não sua força de vontade, você terá usado a primeira luz pálida contra a Hidra… e o alerta é claro… suas “tentações” interiores para ceder a estes apegos aumentarão incrivelmente, a Hidra enfim saindo de sua toca furiosa. A Hidra é uma força emocional, e como tal, teme as forças racionais, que tem o poder de doutriná-la ou destruí-la.
4) A Natureza da Hidra: O Monstro do Apego possui um corpo feito da Paixão conectado a quatro tipos de possessões egoísticas que o Homem pode ter, mais a Cabeça Imortal – dela falarei mais tarde:
a) Posses materiais: apego a bens, propriedades, valores monetários, pessoas (filhos, cônjuges, pais, amantes);
b) Posses mentais: apego a teorias e idéias pré-conceituosas (formadas sem construção lógica sólida);
c) Posses sociais: apego a cargos, títulos, diplomas, funções, reputações globais e locais;
d) Posses emocionais: apego a eventos passados ligados a lugares e pessoas, como na saudade melancólica e alguns traumas.
A cabeça “c” é a que ataca Hércules em primeiro lugar, mas como sua força atinge o Orgulho e o semideus já havia vencido seu próprio Ego, ela é inútil contra ele. A cabeça “a” ataca em seguida, é esmagada, se duplica e renegera e mostra porque é tão difícil vencer o apego…
Se simplesmente compreendemos o apego e dos desligamos daquilo a que somos apegados sem desfazer a paixão que a fortalecia (por exemplo, nos afastando de uma amante que nos manipula através de nossa paixão, mas sem nada mais fazer), a energia que nos liga a este apego não irá diminuir, irá AUMENTAR. A mesma amante poderá nos convencer a voltar, nos deixando mais cegos que antes, ou então, uma outra mulher poderá nos submeter com ainda mais vigor, não por mérito dela, mas sim por nossa fraqueza ampliada.
O veneno que o monstro destila é tão destrutivo e incurável quanto permitir que toda a nossa vida seja guiada pelas paixões, com abdicação total da razão, deixar que o Fogo da Paixão corra em nossas veias no lugar de nosso sangue. Quantos homens apaixonados não conhecemos que sofreram incrivelmente antes de terminar suas vidas na miséria, na loucura, na morte violenta? Tal é a devastação do veneno da Hidra.
5) A Vitória sobre a Hidra: Vencer é possível, Confrades. Todos aqui digitamos milhões de caracteres passando adiante meios de vencer o apego. Aqui apenas dito a fórmula implícita neste mito.
Seguindo o ditame da inspiração ditada pela fonte da Virtude Masculina (Apolo), Hércules precisa expôr o monstro do Apego a uma força mais forte do que as pequenas flechas incendiárias das racionalizações pontuais… o monstro precisa ver a luz pura da Lógica e da Verdade para perder seu poder. Mas só há um caminho para poder fazer isto: Hércules precisa se ajoelhar diante do monstro, se submeter a ele, para que abaixo dele, possa erguê-lo das profundezas de si mesmo.
Um Aspirante faz isto quando faz o reconhecimento mais importante de todos, ao meu ver…
Quando ele reconhece que foi seu Egoísmo que poluiu sua Paixão, que a tornou Impura, que originalmente ela era uma força positiva, e que a culpa dele ser hoje um ser apegado não é de ninguém senão de si mesmo.
Vejam, Confrades, que podemos nos apaixonar não apenas por mulheres, como eu descrevi quando eu falei da natureza da Hidra. Podemos dizer que muitos dos nossos mais dedicados Confrades, de certa forma, são apaixonados pela Real, e é esta paixão que dá excelência ao seu trabalho. Esta energia emocional combinada a direção racional tornam qualquer iniciativa eficiente de forma sem igual. Mas quando nossas motivações egoístas mancham esta emoção, esta paixão se torna suja; seria algo como um Confrade ser apaixonado pela Real a ponto de crer que a Real seja sua (por mais absurdo que isto pareça).
Com este “mea culpa” na alma, um Aspirante tem força para desnudar seu Apego diante da Lógica e da Verdade. Com isto, o monstro perde parte de sua força, e se torna acessível a ser tratado e destruído. Desmascare, racionalize, corte os vínculos INTERIORES primeiro, corte os vínculos EXTERIORES que à luz da razão julgar necessária, e torne esta separação irrevogável e irreversível. Isto é enfraquecer a Hidra com a luz do dia, cortar a cabeça e cauterizar a ferida.
Quando todas as cabeças caírem, o Apego, enquanto um monstro, estará vencido. Mas ainda haverá uma coisa por fazer…
6) A Cabeça Imortal da Hidra: Enquanto espécie, Confrades, somos seres de razão e emoção. Nós homens, somos (quando estamos equilibrados) guiados pela razão, dando a emoção apenas um impulso ou leve desvio de rota, mas nem nunca ditar o rumo. Mas não somos robôs. Precisamos das nossas emoções para viver. O que nos cabe apenas é manter rígido controle sobre elas, ser senhor de nossas emoções, e não seu escravo.
Quando lutamos contra nosso apego, nos descobrimos querendo erradicar totalmente nosso universo emocional. Quem insistir nisto, falhará.
Esta emoção essencial para a manutenção de nossas próprias existências é a cabeça da Hidra que não pode ser morta. Este é, por exemplo, o apego essencial que, quando um de nós está numa relação estável, não conseguirá deixar de sentir por sua companheira, por mais racionalmente que guie a relação. Sem esta emoção essencial, ele polarizará na punição, e a relação será insustentável. Sem este apego emocional, não se luta para manter uma relação, e se não se deseja tentar conservar uma relação que racionalmente ainda pode ser retificada, ela jamais existiu de fato.
Mas esta cabeça pode ser domada, aceita, e com isto, tomamos o veneno dela para si e a transformamos numa arma: a FORÇA DE PROPÓSITO, que é o que se tem quando se alia perfeitamente a razão e a emoção no cumprimento de um dever.
7) A Anulação de Euristeu: Quando derrotamos o Ego, isto adiciona nobreza visível ao nosso íntimo, e ela nos torna melhores diante dos outros… mas neste Trabalho, o efeito é diferente. Se tornar um ser desapegado é algo totalmente alienígena para o mundo e as estruturas sociais. Ninguém irá reconhecer abertamente esta sua conquista, senão quem já a atingiu também. Os outros irão rejeitar e desacreditar quem mostre esta íntima credencial, por mais que ela, na prática, lhe dêem gigantesca vantagem ao agir em todos os campos. Se o Aspirante já tiver realmente derrotado seu Leão Interior, isto não lhe magoará, porque ele não tem mais um Ego por ser ferido. Ele sabe que seu mundo interior é mais puro e brilhante que o de qualquer outro, e isto lhe bastará.
Confrades, a batalha é árdua, mas não temam confrontar este monstruoso adversário. Vencer o Apego é essencial para nos tornarmos o que nascemos para sermos. O Apego é o grilhão que enfraquece nosso gênero, abri-lo é obrigatório para que possamos ser donos de nossos passos de novo.
FORÇA E HONRA!
4 comentários
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O problema das análises é que uem faz as análises sempre as faz baseadas em seus próprios valores e conceitos morais. Diomedes interpretou a Hidra com Apego e outros interpreta a Hidra como Vício. Você fez uma interpretação baseado em valores altruístas.
Simplesmente incrível , seus textos são como correções das imperfeições da armadura psicológica, a qual todos nós temos defeitos em vista da doutrinação de uma sociedade doente.
Ótimo texto Diomedes, me acrescentou uma perspectiva nova sobre o apego, quero dar-lhe meus parabéns pelo excelente trabalho.
Obrigado pelo texto Diomedes.