O esforço russo para abolir o casamento – final

familiasovietica* este texto é a 2ª parte do artigo original. Caso ainda não leu a primeira parte, leia ela antes de prosseguir. Clique aqui para ler.

por uma mulher residente na Russia, publicado no dia 1º de julho de 1926, para a The Atlantic

Quando Kursky terminou seu relatório e o assunto foi aberto para discussão, uma forte oposição se criou entre os representantes das vilas e das fábricas por dias e dias, e a lista de pessoas que gostaria de expor sua opinião sobre o tema só crescia. A questão que mais ocupava o debate era se dar à esposa não registrada os mesmos direitos legais poderia prevenir os homens de se unir a muitas mulheres de forma temporária, ou se isso descambaria para a poligamia e poliandria.

O Comissário para Assuntos Internos, Byelobrodov, argumentou que o Estado não pode considerar o casamento como um assunto meramente privado. Ele via que casamentos estáveis poderiam garantir uma melhor educação para as crianças. Ele reforçou que a quebra da família foi a responsável por muitos dos jovens criminosos e das crianças de rua.

Outro debatedor objetou que a lei proposta poderia permitir que algumas mulheres se aproveitassem dela para formar conexões com homens ricos e assim os chantageá-los para receber pensão. Krasikov, um alto oficial do Comissariado de Justiça,  argumentou que seria difícil estabelecer quem realmente viveu dentro de um casamento, e chegou a conclusão que a lei contra a poligamia se tornaria inútil. Um dos presentes botou a questão de forma mais pitoresca: “Você quer transformar a Rússia num imenso casamento, onde todo mundo estaria casado entre si.”

Uma trabalhadora de Kostroma, usando um xale na cabeça, juntou sua voz aos opositores. “Nas nossas fábricas”, ela dizia, “você pode notar algo muito desagradável. Desde que um homem mais jovem não participa de atividades públicas ele respeita sua esposa. Mas assim que ele se envolve um pouco mais, adquire um pouco mais de educação, algo se levanta entre eles. Ele abandona sua esposa e filhos, vive com outra mulher e traz a miséria para ambos. Eu peço para que as trabalhadoras passem uma lei que impeça a pratica de se ter muitas esposas e maridos.”

A sra. Gypova, uma camponesa da província de Kursk, insistiu que homens e mulheres não deveriam ser permitidos a viver como ciganos, trocando constantemente de parceiros. As crianças sofreriam demais. “Muitos maridos que viviam pacificamente com suas esposas por mais de 20 anos começaram a exigir repentinamente: “Somos livres agora. Eu quero o divórcio.” A não ser que algum limite rigoroso seja imposto para que sejam evitados os casamentos e divórcios frequentes, nós iremos discutir esta questão a cada sessão e nunca chegaremos a uma conclusão satisfatória.”

A oposição para a lei proposta parecia se concentrar em 4 pontos: 1 – isto iria abolir o casamento; 2 – isto iria destruir a família; 3 – isto legalizaria a poligamia e a poliandria; 4 – isto arruinaria os camponeses.

Logo ficou claro que a proposta não seria passada na sessão de outono, e uma resolução para adiar a decisão foi adotada. Duas semanas depois uma grande reunião foi feita em Moscou para discutir a proposta. Krilenko, o procurador público soviético,  teve papel fundamental na criação da proposta e era grande defensor dela, argumentava que não era necessário, importante ou útil registrar um casamento. “Por que o Estado tem que se preocupar com quem alguém está se casando?” ele exclamava. “É claro, se se viver junto e não se registrar for encarado como um teste do estado matrimonial, a poligamia e a poliandria podem existir; mas o Estado não pode interferir nisto. O amor livre é o objetivo final de um estado socialista; num Estado que o casamento deverá ser livre de qualquer forma de obrigação, incluindo a econômica, e deverá se transformar numa união absolutamente livre entre duas pessoas. Enquanto isso, embora nosso objetivo é a união livre, devemos reconhecer que o casamento envolve certas responsabilidades econômicas, e é por isto que a lei se coloca em defesa da parte mais fraca, do lado de vista econômico.”

Leon Trotski também se pronunciou em favor da nova lei durante a conferência dos trabalhadores da área da saúde que se dedicavam ao trabalho social de maternidade. Trotski salientou que tal lei, se desse mais proteção à mulher, também beneficiaria as crianças do país.

Por outro lado, Mr. Soltsz, um proeminente especialista comunista em assuntos legais e um dos maiores opositores da lei proposta, tinha um ponto de vista muito diferente das prováveis consequências desta lei. Seu argumento era mais ou menos este:

“Estamos impondo a responsabilidade das consequências da vida promíscua dos homens que são culpados disto, enquanto ao mesmo tempo sabemos que não podemos responsabilizá-los. As mulheres não conseguirão receber nem um centésimo da pensão que elas terão direito porque seus maridos simplesmente não podem pagá-la. As leis propostas parecem favorecer a mulher, mas na verdade ela trabalhará contra ela, porque já temos maridos fugindo de suas esposas e esposas procurando eles em vão para obter pensão. As mulheres entram em relacionamentos casuais porque acha que a lei as protegerá. Nós temos que dizer a elas que apenas o casamento legal pode envolver obrigações econômicas; assim elas serão mais cuidadosas. Você pode dizer que poderíamos prender aqueles que não pagam pensão, mas se tentarmos fazer isto não teremos cadeias suficientes para prendê-los. As mulheres podem se defender melhor se elas saberem que elas não podem contar com nossas leis para se defender.”

Madame Smidovich expressou a opinião que a família ainda é necessária para poder suprir a função de criar as crianças e assumir as outras obrigações que o Estado não possa suprir ainda. Ela apoia a lei porque ela pensa que a mulher estaria melhor defendida se seus direitos como esposa fossem mantidos, não importando se o casamento é registrado ou não. “Muitos aplaudem Soltz,” ela diz, “porque eles já comemoram a ideia que se eles tem apenas a obrigação de assumir a responsabilidade  em um casamento registrado, eles podem manter várias outras conexões sem responsabilidade alguma.”

Madame Kollontai, a mais importante líder feminista e a primeira embaixatriz (da Noruega), ofereceu uma interessante contribuição para a discussão. Ela se opôs a proposta porque acha que as mulheres não precisem de pensão, especialmente se seus maridos tiverem duas famílias. Ela era contra a registração e a proposta em favor do amor livre. Como solução do problema das crianças, ela sugeriu um esquema de “seguro casamento”, que seria financiado pela quantia de 1 dólar de cada cidadão soviético adulto por ano. Isto proveria um fundo de uns 60 milhões de dólares por ano, o suficiente para prover todos as crianças que poderiam nascer em consequência dos relacionamentos casuais. Ela lembrou que, mesmo que os jovens atuais são acusados de devassidão e promiscuidade, se esquecem que a prostituição praticamente é inexistente. (assim sendo muitos dizem que os amadores estão acabando com a profissão.)

Se a opinião da proposta está dividida nas cidades, o sentimento nas vilas, onde 80% dos soviéticos vivem, é majoritariamente contra. Recentemente o jornal soviético oficial, o Izvestia, publicou um resumo da opinião dos camponeses sobre o assunto. Talvez a opinião mais interessante é a de A. Platov, um camponês da província de Vologda, que declara:

“O casamento entre os camponeses ainda não é um brinquedo que pode ser montado num dia e desmontado no outro ou na próxima semana. A nova proposta em ter tantos casais é considerada ilegal nas vilas. A responsabilidade pelos pecados de um membro da família não pode cair em cima de todos. Cada divórcio nas vilas faz com que discórdias, rixas, julgamentos, vingança assassinatos e a ruína se abatam sobre as famílias. Alguém tem que levar em consideração o atraso da população das vilas, que sentem que a nova lei irá trazer a poligamia, a dor, a desmoralização e a morte de nossa raça.”

Em Tetushi, uma vila tártara. o encontro entre os camponeses foi descrito como uma “tempestade ruidosa.” Ela começou às duas da tarde e durou até a manhã seguinte. O encontro registrou o voto unânime pelo registro do casamento. Mesmo que a dissuasão esteja acontecendo em toda a Rússia, parece certo que a medida, talvez com algumas modificações, será aprovada na próxima sessão do Tzik, que acontecerá no verão. A mais importante modificação no rascunho da lei, no qual o Comissário de Justiça concordou em deferência ao generalizado protesto da população, é a que segue:

O casamento não registrado só terá os direitos reconhecidos apenas nos casos em que as partes envolvidas se reconhecerem mutualmente como marido e mulher, que foi estabelecida num tribunal que eles realmente viviam junto e tinham uma propriedade em conjunto, seja tanto por testemunho de terceiros ou pela evidência de suas correspondências pessoais ou outros documentos, onde havia apoio financeiro mútuo ou conjunta educação dos filhos.

Um marido ou uma esposa pode pedir suporte do outro parceiro pelo prazo de 1 ano se estiver incapacitado para trabalhar, e apenas por 6 meses se estiver desempregado.  (Tal mudança foi feita de acordo com inúmeras sugestões que alguns russos são tão preguiçosos que eles se casariam de bom grado com alguma trabalhadora e permaneceriam permanentemente desempregados se eles tivessem o direito de obter uma pensão de sua ex-esposa.)

A preferência será dada para os casamentos registrados já que o registro será a prova absoluta de casamento entre as partes.

Toda a família camponesa será responsável pelo sustento da criança de um de seus membros, mas o valor dado não pode em caso algum ser tão grande que possa levar a família à falência.

Os meros detalhes técnicos da proposta das novas leis de casamento provavelmente chamaria pouca atenção se todo o problema das relações entre os sexos não fosse levada a atenção pública. A discussão simplesmente proveu uma válvula de escape para a expressão dos sentimentos reprimidos sobre o assunto.

O curso da discussão indicou claramente duas grandes mudanças de atitude do atual povo russo em relação aos problemas do casamento, do sexo e da família. Em primeiro lugar, houve uma grande reação, tanto por parte da população em geral quanto dos comunistas, contra a promiscuidade excessiva. Alguns comunistas reforçam que um camarada que perde tempo demais com o amor não poderia cumprir seus deveres com o Partido e com o proletariado. Há uma tendência entre os escritores comunistas a denunciar a excessiva preocupação com o sexo como um sintoma da decadência burguesa. Entre o povo em geral e especialmente entre os camponeses há uma realização das dificuldades, principalmente materiais, que advém da adoção extremamente literal do conceito do “amor livre”, e há um desejo de manter relações domésticas mais estáveis.

Em segundo lugar, é bastante evidente que a larga circulação de ideias revolucionárias sobre o desejo de abolir a família não eliminou de forma alguma as antigas paixões pelo amor e do ciúme. Os relatórios policiais estão cheios de casos, alguns deles terríveis, de assassinatos, ataques e suicídios cometido por mulheres sob a influência do ciúme. Um desses casos nos serve como exemplo. Um camponês deixou sua esposa e começou a viver com uma operária na cidade. A esposa da vila continuou a fazer escândalos até que a segunda esposa, farta daquilo, jogou benzina em sua rival e a ateou fogo, fazendo ela queimar até a morte. Tais explosões de ciúmes são condenadas pelos comunistas como “relíquias do preconceito burguês”; mas eles continuam a acontecer de qualquer forma, e mesmo as mulheres comunistas estão cometendo suicídio por causa que a atenção de seus maridos está voltada para outra mulher.

fonte: http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1926/07/the-russian-effort-to-abolish-marriage

4 comentários

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  1. o que o comunismo chama de amor livre aqui chamamos de adultério, poligamia. Isto é uma farsa ultrajante, sim as mulheres em menor condição social que TENHAM FILHOS devem sim estar asseguradas em seu casamento mas concordo que há muitas mulheres promiscuas que aderem uma união estável para conjugar-se-a receber direitos patrimoniais de seu cônjuge em um relacionamento e a aderência de uma lei que proteja a família em um conjugamento matrimonial registrado constitui um estado de valores e não um ”amor livre” onde poliandria e poligamia são comuns, até o momento poligamia no Brasil é proibido na lei, mas deve-se garantir severidade no seu cumprimento para os valores éticos e morais da família em sociedade não sejam destruídos, se não implantaria-se um marxismo cultural na qual a base de valores honrados a que fomos educados seria totalmente fragmentada

  2. Quanta cultura estamos tendo ultimamente nesse site… rs

  3. Caraca, ainda estou perplexo em saber que isso tudo ocorreu em 1926!
    Parece quase a descrição dos dias de hoje.

    É exatamente o que Yuri Bezmenov falou.

    Engraçado a relação força do casamento – força do estado.

    Onde o casamento é forte (moral forte) o estado é minimo e há liberdade economica, livre iniciativa e liberdade de expressão. ex. EUA sec xviii e xix.

    Onde o casamento é fraco (moral fraca) o estado é monstruoso e controlador. Não há propriedade privada, não há livre iniciativa e há forte censura. Ex. URSS

    PERFEITAMENTE claro o porque de comunistas atacarem tanto as IGREJAS e o CASAMENTO TRADICIONAL.

      • Anjo_Censurado em 04/14/2013 às 22:18
      • Responder

      Conhecia um pouco sobre o Yuri, porém fui mais a fundo e o Grande Irmão está ai na rua, na TV, no governo transformando nossa sociedade.
      Desculpe-me a ignorância, mas em tempos de esconde-esconde quem seria a ‘Grande Esquerda”, falo até mais proximo, no Brasil quem esta nos minando por baixo e apodrecendo de dentro pra fora nossa sociedade?

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