* pra não dizer que eu deixei o Canal morrer…
por W. F. Price, do The-Spearhead.com
Embora um dos escritos canônicos do Daoísmo (também conhecido como Taoísmo), o Zhuangzi, ser relativamente desconhecido no Ocidente, muitos já ouviram falar de Laozi (Lao Tsé), o suposto autor do Dao De Jing (Tao Te Ching).
O auto intitulado Zhuangzi foi escrito durante o Período dos Reinos Combatentes, uma era de grande turbulência na China Antiga, mas também uma época onde a filosofia floresceu como nunca antes. O Mestre Zhuang, o autor homônimo da obra, supostamente viveu em Meng Cheng, no estado de Song, localizado na atual Anhui. O Período dos Reinos Combatentes, sendo cheio de conflitos e lutas, foi uma época de tristeza e repressão. Grandes exércitos, equipados com as recém desenvolvidas armas feitas de ferro, cruzaram a China devastando a terra e expulsando as pessoas de suas casas. Traições, corrupção e a crueldade eram regra, e nada era certo além da morte e da desordem. Eventualmente, os estados combatentes foram unificados pelo despótico imperador Qin (Qin Shihuang), que construiu as bases da China Imperial, assim dando forma a grande civilização que conhecemos hoje.
Tal período de caos e catástrofe deu origem a um grande grau de reflexão sobre a condição humana e a organização da sociedade. Filósofos, tanto lendários quanto reais, se empenhavam em estudar as melhores formas de conquistar a harmonia e a felicidade e evitar as calamidades que colhiam o povo, desde os mais humildes fazendeiros e pescadores até mesmo os governantes e militares de alta patente. É interessante notar que está época coincide com o florescimento da filosofia grega, grandes mentes estavam trabalhando em prol da elevação da condição humana de uma ponta do continente Eurasiano até a outra.
Mesmo que Confúcio acabou se tornando um dos grandes sábios do período, na China não foi apenas uma escola de pensamento que dominou e subjulgou as outras, mas sim todas acabaram sendo incorporadas no poço de conhecimento na qual a civilização chinesa tirava sua força. Na China, a espiritualidade e a filosofia se uniram em algo praticamente indistinguível uma da outra, então enquanto oficiais e líderes buscavam conselhos e inspiração dos antigos textos, as pessoas comuns honravam e reverenciavam os sábios como se eles fossem deuses. Resumidamente, a filosofia chinesa se transformou na alma da nação.
Entretanto, para nós ocidentais, não é preciso abraçar a totalidade do caminho chinês para aproveitar de seus benefícios. Eu aprecio o trabalho dos antigos sábios chineses a anos, e sempre os uso para ter uma melhor perspectiva de nossa sociedade. Tais escritos foram feitos por homens que enfrentaram e tiveram que lidar com grandes desafios, e pode nos oferecer muitos conselhos valiosos para lidar com os problemas do nosso dia a dia.
É por causa disto que Zhuangzi pode ser de interesse para os homens do ocidente, que tem que enfrentar uma nova e dura realidade no campo amoroso e familiar. Uma das bases do Zhuangzi – e do Taoísmo no geral – é um conceito conhecido como “Wu Wei”. Traduzido literalmente, Wu Wei significa “sem ação”, sem se esforçar. Uma analogia que ajuda a entender isto seria a do atleta que manipula uma bola de forma natural, sem nem pensar sobre o que ele está fazendo. Outro bom exemplo é o músico no qual as mãos movem pelo violão com facilidade e sem preocupação, mas ainda assim com uma destreza e precisão que a música que sai de seu instrumento parece algo mágico.
Numa sessão do Zhuangzi (capítulo 3: O segredo de cuidar da vida), isto é explicado através de uma parábola, sobre um cozinheiro que trabalha para o seu senhor:
SUA VIDA TEM UM LIMITE, mas seu conhecimento não tem. Se você usa o que é limitado para conquistar o que não há limites, você estará em perigo. Se você entender isto e ainda se esforça por conhecimento, com certeza estará em perigo! Se você faz o bem, afaste-se da fama. Se você faz o mal, se afaste das punições. Busque o meio; vá aonde é constante, e ficará bem, se manterá vivo, poderá cuidar de seus entes queridos e viverá por anos.
O cozinheiro Ting estava cortando a carne de um boi para o Lorde Wen-hui. A cada toque de sua mão, a cada elevação de seus ombros, cada passo de seus pés, cada movimento de seus joelhos – zip! zoop! Ele deslizava sua faca junto com um zing, e tudo isto num perfeito ritmo, como se ele estivesse dançando a dança do Bosque de Amoras ou mantendo o ritmo da música Ching-shou.
“Ah, isto é maravilhoso!” disse o Lorde Wen-hui. “Imagine a habilidade para alcançar tais alturas!”
O cozinheiro Ting guardou sua faca e respondeu, “Eu me importo com o Caminho, que vai além da habilidade. Quando eu comecei a cortar a carne do boi, tudo o que eu podia ver era o boi em si. Depois de 3 anos eu não via mais o boi inteiro. E agora – agora apenas vou pelo espírito e nem preciso usar meus olhos. A percepção e o entendimento e o espírito se move aonde ele desejar. Eu vou junto com a composição natural, ataco nos grandes vazios, guio a faca através das grandes aberturas e sigo as coisas como elas são. Assim eu não preciso mais tocar no menor ligamento ou tendão, muito menos numa articulação principal.
“Um bom cozinheiro tem que trocar sua faca a cada ano – porque ele corta. Um cozinheiro medíocre tem que trocar sua faca a cada mês- porque ele serra. Eu tenho esta faca comigo por 19 anos e já cortei centenas de bois com ela, e mesmo assim a lâmina continua tão afiada como se ela tivesse acabado de sair da amolação. Há espaços entre as articulações, e a lâmina da faca é fina. Se você insere o que é fino em tais espaços, então você tem espaço o bastante – muito mais do que a faca necessita. É por isto que depois de 19 anos a lâmina da minha faca continua tão boa quanto a primeira vez que foi amolada.
“Entretanto, toda vez que eu atinjo um local complicado, eu meço as dificuldades, digo a mim mesmo para ficar ligado e ser cuidadoso, mantenho meus olhos no que eu estou fazendo, trabalho ainda mais devagar e movo a faca com bastante delicadeza, até – flop! A peça toda acaba sendo separada como um torrão de terra caindo do barranco. Eu fico aqui segurando a faca e observo meu trabalho até que eu esteja completamente satisfeito, e assim eu limpo a faca e a guardo cuidadosamente.”
Eu relembrei desta passagem recentemente quando eu percebi que grande parte dos nossos problemas como homem, especialmente quando o assunto é mulher, vem porque se esforçamos demais para fazer as coisas. Seja no amor ou na perda, nos frustramos ao tentar “cortar” através dos problemas, quando seria melhor adotar um caminho que oferecesse uma menor resistência.
Embora isto certamente tem algum papel na hora da conquista, eu penso que isto é tão – ou mais – importante na hora de um divórcio ou no fim de um relacionamento.
É dito que Zhuangzi viveu numa era de grande opressão, durante o qual o prego que mais se destacava era martelado sem dó. Este estado das coisas influenciou o Mestre Zhuangzi, fazendo com que ele favorecesse o conceito do Wu Wei, o que pode ser visto como uma tática de auto preservação durante tempos problemáticos. As leis de família são os mais intrusivos e opressivos aspectos do nosso governo que o homem comum tem que enfrentar atualmente, então a filosofia de Zhuang é particularmente válida nesta parte de nossas vidas. Uma força descomunal será exercida contra aquele que quer manter suas crianças perto de si, ter um pouco de justiça ou meramente não deixar seu nome na lama.
Ao invés de enfrentar tal desafio com a força, os homens deveriam refletir sobre o conselho do Cozinheiro Ting e procurar as grandes aberturas, evitar as partes complicadas e proceder com cautela e de forma sutil quando encontra uma área problemática.
Talvez aqueles que trabalham devagar, magistralmente e com grande sutileza pode compartilhar da satisfação de Ting enquanto assistimos nossos problemas desabarem como um torrão de terra num barranco. E, de qualquer forma, qual o objetivo de cortar algo cegamente tem além de dar satisfação ao seu adversário?
fonte: http://www.the-spearhead.com/2011/06/12/ting-the-cook-and-the-art-of-not-trying-too-hard/
2 comentários
Ótima reflexão!
O post ficou muito bom, é interessante, os destaques são meio que parábolas, vale ma reflexão na idéia da ‘não-ação”.