O problema é, eu ainda a amo – Relato de violência doméstica

Por 6 meses, Daniel Hoste foi espancado repetidamente por sua namorada, geralmente por pequenas transgressões, como entrar de sapatos na casa. Foi só depois de separar-se dela que ele viu que esta situação está longe de ser incomum.

The Guardian, Segunda, 11 de março de 2002
Relato

Imagine sendo socado no rosto por um estranho, e depois levando cacetadas tão fortes com um fone que o faz quebrar. Depois, ele começa a te estrangular. A razão para que este ataque acontecesse foi que você deixou a porta aberta. Agora, imagine que este estranho que o ataca é alguém que você ama, alguém que correspondia o seu amor em abundância. Eu não tenho que imaginar uma situação dessas. Isto aconteceu comigo dezenas de vezes num período de 6 meses e isto me resultou lesões severas nas costelas, por vota de 50 contusões e inchaços, um olho roxo, lábis machucados e arranhões e mordidas tão fortes que chegavam a sangrar. Fui ameaçado com um bastão de baseball, uma garrafa de cerveja vazia e tive uma garrafa cheia arremessada na minha cabeça. A agressão emocional foi muito pior: os ferimentos sararam; mas minhas cicatrizes mentais jamais desapareceão. A outra coisa que esqueci de mencionar é que eu sou um homem.

Sou um homem de porte atlético, de 1,85m de altura; minha ex namorada tem meros 1,62m. Lutas ferozes que eu já presenciei em bares não eram nada comparados a fúria descontrolada que ela tinha. Eu sinto que os socos delas eram forjados por mais de 20 anos de feridas emocionais, culpa, desonra e raiva. Pessoas machucadas machucam pessoas.

Eu acebei tendo que dormir no meu carro; vestindo a mesma roupa por dias; sem poder trabalhar; enchendo a cara até ficar doente; adquirindo dívidas; perdendo amigos, meu desejo sexual, minha auto estima e muito do que eu conquistei, e o pouco que eu consegui manter ela destruíu.

Agora (2002) eu tenho 33 anos, eu tive 3 longos relacionamentos e mal tive discussões neles. Meus amigos me descrevem com alguém descontraído, e a última briga que eu tive foi há 20 anos atrás, num parquinho. Muita gente me dizia que eu era a última pessoa que elas achavam que poderia passar por isto. Eu amava a vida até isto começar; no fim disso tudo eu estava tão estarrecido que a vontade era de me jogar de um penhasco. Eu não sentia mais nada.

Nós nos vimos pela primeira vez num serviço e logo começamos a passar o dia inteiro juntos. Depois de 6 semanas nós ficamos mais juntos e diziamos um ao outro que estávamos apaixonados.

Estes dias era os melhores que eu tive. Nós comíamos juntos, tinhamos longas caminhadas; eu a presenteava com belas flores e ela cantava músicas românticas para mim. A única pista que eu tinha do que vinha pela frente era a imensa intensidade dela: a atenção aos detalhes intrincados como o jeito das sardas do meu braço ou como a cor favorita dela era o mesmo tom de púrpura que eu gostava. E ela queria amor mais do que qualquer uma que eu conheci.

Mas eu nunca fazia o suficiente para ela, e se eu ia para o serviço, ela dizia que eu me importava mais com o dinheiro do que com ela. Se ia comprar algo na rua, ela pedia para eu amarrar uma blusa em volta da cintura ou senão outras mulheres poderiam ficar olhando para o meu traseiro. Eu pensava que isso era tão bonitinho e que ela realmente me amava. Agora vejo que isto era obcessão, e não devoção. Ela rejeitava meus amigos por diversas razões. Meu apartamento também foi rejeitado por ela, pois eu vivia ali com a minha ex, e ela nunca queria ver a minha família – e assim meu isolamento começou.

Suas alterações de humor eram imprevisíveis demais, então depois de 3 meses eu parei de vê-la. Mas eu não parava de pensar nos momentos românticos e no sexo passional que tínhamos, então voltamos depois de uma semana. Ela me convidou para morar de volta ao seu apartamento e tudo parecia perfeito – até eu ter entrado na casa dela. Ela me acusou de não respeitar a casa dela por que eu entrei de sapatos, então eu me desculpei e os retirei. Do nada ela começou a me esmurrar. Tentei proteger minha cabeça o melhor que pude. Quando ouvi o som dos ossos do meu nariz quebrarem percebi que era hora de ir.

No outro dia ela veio, cheio de remorso, e acabei voltando. Mas agora alguns amigos me alertaram que eu estava me envolvendo com uma mulher perigosa, mas eu achava essa idéia ridícula: pensava que só mulheres marginalizadas que eram abusadas por cafajestes é que fossem perigosas. Ainda assim, meus amigos e minha família me diziam para largar ela, que ela estava me destruíndo, mas eu pensava naqueles bons momentos juntos e pensava “Como poderia?”

Uma vez apanhei quando ela estava bêbada. Eu era agredido verbalmente sempre que ela ficava louca. “Você é um cara forte” virou “Você não é um homem de verdade”, e “esta foi a melhor transa que tive” virou “nenhuma mulher gostaria de trepar contigo”.

Rapidamente, ela me transformou de um cara feliz e alto astral para um total merda. Quando apanhava, ela me dizia que eu merecia. Se eu pudesse pelo menos não estar tão cansado e ficar a noite inteira acordado com ela e fazer as compras, a limpeza, reparos da casa, fazer a comida e ganhar mais e passar mais tempo com ela e levá-la aonde ela quiser – dirigindo bem, é claro – e dizer a ela algo interessante e escutar cada vez mais lamúrias sobre o ex dela (que a largou um dia sem nem dizer tchau depois de 4 meses) e sempre estar disponível para ela e me mandasse sempre que ela mandasse, ela não ia ficar nervosa comigo. Rapidamente tinha tantos ovos espalhados pelo chão que era praticamente impossível andar.

Quando as fronteiras da agressão verbal eram ultrapassadas e as agressões físicas começavam, eram sempre realizadas às portas fechadas. Nem importava mais qual era a”razão” disso no final. Uma vez foi por causa de uma piada que eu contei e ela não achou engraçado. De novo vi uma das coisas mais furiosas que já presenciei, que parecia mais um cão raivoso tentando roubar um pedaço de carne do que um ser humano. E porque eu não a largava? Porque quando não era agredido, nosso caso de amor era maravilhoso.

Ela era gentil, tímida e vulnerável, ou pelo menos se fazia disso. Eu a via como uma vítima, e eu era o herói que iria salvá-la. Eu estava seguindo o que eu tinha, não tinha para onde ir, e me sentia sozinho: eu podia conversas com alguns amigos sobre isto, mas a maioria não se correspondia com o que eu estava sentindo. Mesmo quando machuquei as costelas, eu menti sobre como isto aconteceu.

Eu nunca reagi e as únicas marcas que ela tinha eram machucados nos seus braços que ela adquiria quando me batia forte demais. Eu tive que fugir porque senão ela ia me matar, ou eu mataria ela. Quando ela me ameaçou com um taco de baseball, eu a agarrei por um segundo e quase que a ataquei. Acredito que estaríamos com problemas na justiça se eu não tivesse largado ela naquela hora.

Tive que reaprender a viver. Eu contei com a ajuda de conselheiros pela primeira vez e fiquei sabendo sobre relacionamentos abusivos. Descobri que passei por um. Li coisas que me eram familiares como “privação do sono”, “humilhações”. “ameaças”, “manipulação”. Li também que muitas destas pessoas tem desordens de personalidade, particularmente a desordem de personalidade bordeline (BPD).

Quando vi as 9 características principais da BPD, onde se uma pessoa tem 5 delas já é diagnosticada com este problema, percebi que ela tinha 8 delas. Era como se eu tivesse vendo o sol pela primeira vez.

Há muita literatura e programas de ajuda para vítimas da violência doméstica, mas são a grande maioria voltada para mulheres. Li que muitas mulheres que abusavam já tinham passado por abuso; é um círculo vicioso. Eu aprendi que quando eu cruzei uma linha de intimidade eu provavelmente a fiz lembrar de alguém da infância dela, provavelmente um adulto que cuidava dela que provavelmente era um controlador, negligente ou abusivo. Um conselheiro não tinha dúvidas: “Fico imaginando em quem que ela estaria batendo quando batia em você.”

O quanto mais relatava isso a amigos homens, mais eu ouvia sobre como alguns deles eram abusados por suas parceiras. De alguma forma, até sou grato que isto tenha acontecido. Enquanto ela era uma pessoa claramente doente (e é por isso que estou relatando isto anonimamente), eu também não era muito equilibrado. Se eu não tivesse insistido neste relacionamento, ela não teria abusado de mim.

Então eu admiti que eu tinha baixo auto estima, admiti que era teimoso e compulsivo, e que preferia ter um relacionamento doentio do que ficar sozinho. Tenho medo de me relacionar novamente, mas eu sei que o que poderá vir no futuro poderá ser muito melhor do que esta experiência.

Agora cuido de mim mesmo e estou escrevendo um livro sobre isto, o que é uma ótima terapia. E também, eu me envolvi com a ManKind, uma nova organização que ajuda homens com problemas semelhantes aos meus. Não desejo a ninguém – homem ou mulher – sofrer um só segundo do que eu passei. Mais e mais homens estão virando vítimas disso e nós precisamos tomar atitudes, deixar que os homens relatem seu problema e nos livrar deste tabu. Se você está num relacionamento contrubado, caia fora agora. Cuide de si. Você merece.

E enquanto a minha ex, eu desejo sinceramente que ela encontre ajuda. Não tenho contato com ela faz algum tempo, e quando eu penso no passado de abusos ela me parece ainda mais distante. Eu ainda estou tentando descobrir como ela ficou daquele jeito: problemas genéticos, ex namorados, alguém que abusou dela ou uma combinação disso tudo? Talvez nunca saberei. Mas quando ouço certas músicas, cheiro as flores que costumava dar a ela ou visito lugares onde passamos bons tempos juntos, eu me sinto imensamente triste. O problema é, eu ainda a amo, mas como?

fonte: http://www.guardian.co.uk/world/2002/mar/11/gender.uk

Obs: Os grifos são meus.

Comentários finais: Depois que leu este relato tenebroso, peço para que veja (se ainda não viu) o vídeo que traduzimos do Roy Sheppard, que dá uma ligeira explicação sobre mulheres perigosas:

http://canal.bufalo.info/2011/11/video-aprenda-a-identificar-mulheres-perigosas/

E também baixe o capítulo 4 do livro escrito por ele e por Mary T. Cleary “A psicologia da Malícia”:

http://canal.bufalo.info/2011/11/livro-traduzido-a-psicologia-da-malicia-roy-sheppard-e-mary-t-cleary/

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